O dia se espatifa: A gente sempre tem que dizer que está tudo bem

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A gente sempre tem que dizer que está tudo bem

"A gente sempre tem que dizer que está tudo bem." Quando respondia assim à pergunta "Tudo bem, vó?", era certo que não estava bem. Mas, ao responder assim, ela nos ensinava basicamente que não vale a pena se debater. Independentemente do que acontece na vida da gente, é preciso tocar o barco - de preferência, sem reclamar.



E foi (quase) sem reclamar que ela criou os seis filhos. Com mão de ferro, é verdade. Foi principalmente a obstinação dela que trouxe a família toda de Sobradinho a Porto Alegre para garantir que a prole tivesse o que ela lamentava não ter: estudo. Deu certo. Os guris e gurias da dona Heloisa - que os parentes, amigos e conhecidos das antigas, sabe Deus por quê, chamavam de Lóisa - todos deram belos rumos à vida.



Quando eu era pequena e vinha passar férias em Porto Alegre, tinha certeza absoluta de que a minha vó era uma pessoa muito importante. Ficava impressionada com o fato de que, aonde quer que me levasse, todos a conheciam pelo nome, todos a tratavam com deferência e corriam para atendê-la. Também achava impressionante todo conhecimento que ela tinha sobre tanta coisa, mesmo tendo frequentado o colégio por muito pouco tempo.



Ela lia muito. Lia tudo. Adorava contar histórias. Histórias de verdade, sobre o que tinha lido. Sobre eleições no Brasil, sobre a segunda guerra, sobre literatura brasileira, sobre uma variedade de assuntos que assombrava. Para mim, minha avó - assim como meu pai - era uma espécie de Google em carne e osso. O que ela não sabia, ia pesquisar.



Apesar de não ser uma avó de contar contos de fadas, era uma avó que qualquer neto pediria aos céus. Servia torrada (misto-quente para os estrangeiros) com guaraná para o café da manhã - apesar dos protestos dos pais, dava abrigo contra surras e castigos embaixo da saia ("Na minha casa, não!"), brincava de cavalinho, levava ao mercado público para tomar salada de fruta na Banca 40, benzia os netos e era meio feiticeira. Todos tivemos alguma graça concedida por seus pedidos cheios de fé ao "velho Vitorino", pai dela.



Essa pessoa incrível perdeu bastante do brilho a partir de 1996. Não por uma doença física, mas uma doença do coração. A perda de um dos filhos - meu pai - foi um golpe duro demais. Até mesmo para aquela verdadeira força da natureza que adorava coincidências e que foi embora deixando uma grande coincidência para ser contada. Na segunda-feira, dia 22, aos 88 anos, ela foi se encontrar com meu pai. No dia seguinte, fez 14 anos que ele morreu. O que a levou foram complicações decorrentes de uma esquemia que teve em 7 de dezembro - dia do aniversário dele.



Ao contrário do que houve com o meu velho, que se foi aos 48 anos, a morte dela seguiu a ordem natural das coisas. Mesmo assim, a dona Lóisa deixa uma saudade imensa. Mas quem sou eu para ignorar o que ela sempre fez questão de ensinar: a vida segue. Afinal, a gente sempre tem que dizer que está tudo bem.

7 comentários:

  1. cassia! muito bonito!!! ja tinha mandado um abreijao p ti por email q enviei p carol. mas aproveito este espaço do blog p te mandar de novo: um abreijao grande p vcs e muita energia

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  2. Oi, Cássia! Só fiquei sabendo hoje pelo email q a Luli me enviou. Lamento muito, é óbvio. Lindo o seu texto e todas as lembranças que ele evocou! Beijo enorme!

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  3. Denise Martau02/03/2010, 11:05

    Oi Cassia!Achei muito legal a homenagem que você fez prá véinha !Ela era uma pessoa linda!Eu também sentirei saudades dela...Beijos prá vocês, Tia Deni Martau (irmã da tia Rita)

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  4. Tenho pensado muito em "tá tudo bem" e me deparei com isso: http://cargocollective.com/learnsomethingeveryday...

    beijo, que fique tudo bem

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  5. Valeu, "tia" Deni! :-)

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  6. Quando Deus inventou as avós, Ele devia saber que elas deviam ser eternas... que elas precisam ser. Quantas vezes eu senti saudade do colo da minha avó... uma vez eu dormi chorando chamando por ela e sonhei que ela me levava pela mão em um caminho todo branco. É complicado, mas a vida segue, né. __beijos!

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