São Paulo e eu temos uma relação antiga e tumultuada. Porto-alegrense apaixonada e convicta, com São Paulo (a cidade), sou feito mulher de malandro. Digo que nunca mais vou voltar. Mas volto. Garanto que não quero nem saber, mas sinto saudade. Faço cara de nojinho ao pensar no cheiro do Pinheiros à espera do trem espanhol, mas me pego lembrando com nostalgia do caminho que percorria da estação Berrini até o trabalho a pé.
A cidade entrou na minha infância com os presentes que o pai trazia das viagens de trabalho e as notícias da Tia Tereza, que pouco antes de eu nascer se mudou com a família para lá e deu início ao grande braço paulistano da família. Cresceu absurdamente sendo o destino da primeira viagem de avião e de uma mudança assustadora para uma menina de seis anos – da pacata Bagé, em Petrópolis, para a movimentada Humberto I, na Vila Mariana. Do tranqüilo Santa Inês, na Protásio Alves, ao movimentado Cristo Rei, na Rodrigues Alves.
Com a mudança para Sorocaba, a adolescência viu São Paulo se transformar no destino preferido dos finais de semana. Onde as lojas eram mais transadas, os restaurantes mais bacanas, os cinemas passavam todos os filmes – e para onde as excursões do colégio eram das mais divertidas. Era a cidade onde o pai trabalhava, percorrendo 200 quilômetros diariamente pela Castelo Branco até a Barra Funda – e já então, no final da década de 80, levando praticamente o mesmo tempo que colegas que moravam do outro lado da cidade, em Santo Amaro, por exemplo.
Em 1990, a família toda volta a Porto Alegre, onde decido fincar raízes. Termino o colégio, faço faculdade, muitos amigos, começo uma carreira e me caso. Só que São Paulo estava ali, me esperando, praticamente me chamando. Em 2001, as circunstâncias levam o Márcio para o Jornal da Tarde, e eu vou junto, transferida do Terra POA para o Terra SAO. A cidade entrou de novo na minha vida, num auto-exílio econômico (por que mais alguém se muda para lá?) que viria a durar um ano e meio.
Essa São Paulo da minha vida adulta me fez voltar à terapia. Porque eu não queria me acostumar à tristeza no olhar das pessoas. Porque me negava a achar normal levar uma hora e meia para percorrer 10 quilômetros todos os dias. Porque me perturbava a idéia de organizar minha vida em torno do trânsito. Porque, porque, porquê. Um ano de terapia depois, porém, concluí que praticamente todos esses porquês eram contornáveis. Menos o céu. O céu de São Paulo é cinza. Mesmo quando não há qualquer nuvem, a partir de uma certa linha no horizonte – quando dá para ver o horizonte – o céu é cinzento.
Hoje faz exatamente cinco anos que o Márcio e eu voltamos da nossa última aventura como moradores paulistanos – e por “última”, aqui, entenda-se “mais recente”, não necessariamente derradeira. Isso porque em 1º de maio de 2003, o céu de São Paulo me provocou. Para mostrar que eu estava errada, deu as caras com o mais deslumbrante azul que eu já havia visto. E me fez percorrer os quilômetros que dividem o Parque do Ibirapuera e o Aeroporto de Congonhas com uma pontada de melancolia no coração.
Porque o azul do céu de repente me fez pensar nos 125 restaurantes e bares que conhecemos nos 18 meses anteriores (foram 10 quilos a mais em cada integrante do casal, mas quem estava contando), nos passeios à pé pela Vila Madalena, nas livrarias Cultura, na Livraria da Vila, na Fnac, na Benedito Calixto, nos passeios pelo Parque Villa-Lobos, nos cinemas e teatros e casas de espetáculo, nos bons amigos que fizemos de todas as partes do país, inclusive de São Paulo. E eu me dei conta de que a única coisa incontornável talvez precisasse apenas de um feriado e menos carros nas ruas para ser contornada.
Como eu disse lá em cima: mulher de malandro.
Cássia, eu acho que em 5 anos pioraram um pouco sim, como você constatou. A cidade está mais lotada e as pessoas mais intolerantes. Mas como você mesma disse, também sou mulher de malandro...ameaço abandoná-la, mas nem chego a fazer as malas!
ResponderExcluirAhhhh, eu amo MUITO isso daqui. Viciada na qualidade do ar regular. :P
ResponderExcluirLindo, Cássia. Essa divisão, creio eu, é natural. Estamos aqui, queremos estar lá. Estando lá, bate a saudade do aqui. Somos insatisfeitos assim. Eu acho que jamais moraria em S. Paulo. Mas, também, pra quem as raízes aqui só crescem, não é preciso ter muita dúvida. Beijo.
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