"A gente sempre tem que dizer que está tudo bem." Quando respondia assim à pergunta "Tudo bem, vó?", era certo que não estava bem. Mas, ao responder assim, ela nos ensinava basicamente que não vale a pena se debater. Independentemente do que acontece na vida da gente, é preciso tocar o barco - de preferência, sem reclamar.
E foi (quase) sem reclamar que ela criou os seis filhos. Com mão de ferro, é verdade. Foi principalmente a obstinação dela que trouxe a família toda de Sobradinho a Porto Alegre para garantir que a prole tivesse o que ela lamentava não ter: estudo. Deu certo. Os guris e gurias da dona Heloisa - que os parentes, amigos e conhecidos das antigas, sabe Deus por quê, chamavam de Lóisa - todos deram belos rumos à vida.
Quando eu era pequena e vinha passar férias em Porto Alegre, tinha certeza absoluta de que a minha vó era uma pessoa muito importante. Ficava impressionada com o fato de que, aonde quer que me levasse, todos a conheciam pelo nome, todos a tratavam com deferência e corriam para atendê-la. Também achava impressionante todo conhecimento que ela tinha sobre tanta coisa, mesmo tendo frequentado o colégio por muito pouco tempo.
Ela lia muito. Lia tudo. Adorava contar histórias. Histórias de verdade, sobre o que tinha lido. Sobre eleições no Brasil, sobre a segunda guerra, sobre literatura brasileira, sobre uma variedade de assuntos que assombrava. Para mim, minha avó - assim como meu pai - era uma espécie de Google em carne e osso. O que ela não sabia, ia pesquisar.
Apesar de não ser uma avó de contar contos de fadas, era uma avó que qualquer neto pediria aos céus. Servia torrada (misto-quente para os estrangeiros) com guaraná para o café da manhã - apesar dos protestos dos pais, dava abrigo contra surras e castigos embaixo da saia ("Na minha casa, não!"), brincava de cavalinho, levava ao mercado público para tomar salada de fruta na Banca 40, benzia os netos e era meio feiticeira. Todos tivemos alguma graça concedida por seus pedidos cheios de fé ao "velho Vitorino", pai dela.
Essa pessoa incrível perdeu bastante do brilho a partir de 1996. Não por uma doença física, mas uma doença do coração. A perda de um dos filhos - meu pai - foi um golpe duro demais. Até mesmo para aquela verdadeira força da natureza que adorava coincidências e que foi embora deixando uma grande coincidência para ser contada. Na segunda-feira, dia 22, aos 88 anos, ela foi se encontrar com meu pai. No dia seguinte, fez 14 anos que ele morreu. O que a levou foram complicações decorrentes de uma esquemia que teve em 7 de dezembro - dia do aniversário dele.
Ao contrário do que houve com o meu velho, que se foi aos 48 anos, a morte dela seguiu a ordem natural das coisas. Mesmo assim, a dona Lóisa deixa uma saudade imensa. Mas quem sou eu para ignorar o que ela sempre fez questão de ensinar: a vida segue. Afinal, a gente sempre tem que dizer que está tudo bem.