O dia se espatifa: maio 2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Do peso do que publicamos no éter

Um dos trabalhos que mais gostei de fazer dentro da RBS foi a "evangelização" sobre redes sociais. Eu e a querida Bárbara Nickel percorremos (se não me engano, em 2009) várias áreas da empresa com o objetivo de – mais do que orientar sobre como utilizar twitter, Facebook e quetais –, convencer o pessoal de como o uso dessas ferramentas era algo absolutamente inevitável (e importante) para profissionais de uma empresa de comunicação. Ao contrário do sistema de vídeo Betamax, do fax e do Second Life, as redes sociais virtuais – quaisquer que sejam ou venham a ser – vieram para ficar.

Com o tempo, nossas apresentações começaram a ficar parecidas com jograis. Já tínhamos até piadas que sabíamos que funcionavam e a manha de levantar a bola uma para a outra no momento certo. Uma das falas que sempre cabia a mim era sobre a "noção" necessária na hora de postar qualquer coisa numa rede social. Porque por mais que pareça óbvio, percebi que nem todo mundo compreendia essa obviedade. O que postamos nas nossas páginas nas redes sociais (ou em qualquer coisa na internet) fica carimbado na gente. Se não para sempre, por um bom tempo.

Para ser clara no recado, eu dizia com todas as letras: quando recebia o currículo de alguém que achava interessante, antes de marcar a entrevista eu cruzava o nome da criatura com o nome da empresa. Aparecia o ser humano falando mal da empresa, esculhambando o que fazíamos lá dentro? Nem chamava pra entrevista. Lembro que muita gente ficava espantada com essa minha afirmação. Provavelmente as mesmas pessoas que achavam injusto alguém ser demitido por falar mal do empregador nas redes sociais.

Gente, não é óbvio? Se eu tenho algum desejo – por mais remoto que seja – de trabalhar em algum lugar, eu vou postar publicamente alguma coisa desabonadora? Não, né?

Daí que, assim, ó... pessoal que foi meu colega e continua dentro da RBS e curtiu ou comentou publicamente meu "post-catarse" sobre o fim do meu relacionamento com a empresa da forma como ela está hoje, fica a dica: vai lá e apaga. Pode pegar mal. O post teve mais de 1.500 views. Estou literalmente besta com o alcance dessa tal de internê. Se soubesse, tinha anunciado meus serviços de tradução naquele post.

Vai lá e apaga. É sério. Me manda mensagem privada. :-)

sábado, 25 de maio de 2013

Da arte de fechar as portas certas (um post-catarse)

Não é nem uma questão de guardar rancor, de pensar muito nisso. Eu realmente não penso, porque tudo perdeu a importância com o rumo que a minha vida tomou nos últimos 22 meses. É uma questão de não ter feito o que deveria ter sido feito desde o começo. Foi uma matéria banal sobre um assunto banal que detonou hoje em mim um processo de reavaliação de atitudes profissionais que tomei nos meus dois últimos anos dentro de uma empresa. No caso, dentro do Grupo RBS.

Esta matéria sobre demissões em massa e más condições de trabalho na Livraria Cultura me fez postar o seguinte no Facebook enquanto estava na fila do banco para pagar meu IPVA:
Se todo mundo que trabalha em empresas abusivas tiver coragem de se manifestar, talvez as empresas parem de jogar hipocritamente para a torcida e os funcionários que seguem lá dentro aprendam que é falta de civismo se submeter e jogar o jogo do contente dos patrões. Que é covardia, pura e simples.
Lendo esta matéria, fiquei com vergonha de mim mesma por me manter calada sobre tudo o que vi e vivi nos meus dois últimos anos na RBS, por medo de ficar com fama de recalcada ou "fechar portas". Só que ao estar sendo respeitada por todos meus clientes atuais, estou cada vez mais convencida de que algumas portas é melhor fechar mesmo. E daqui de fora.
Entre junho de 2010 e agosto de 2011, passei por situações surreais dentro daquela empresa cuja camiseta vesti por quase 15 anos, em três passagens por várias posições diferentes. Foi onde conheci o meu marido, foi onde cresci profissionalmente, onde fiz grandes amizades e aprendi muito com grandes colegas, chefes e conhecidos. Foi onde fiz parte de equipes que realizaram coisas bacanérrimas. Onde trabalhei com pessoas queridas que ainda estão lá dentro – ou não. É uma empresa pela qual inevitavelmente eu sempre terei carinho.

E eu fiquei com vergonha de mim mesma ao ler a matéria sobre a Cultura (em que alguns funcionários saíram atirando) porque mesmo depois das coisas que eu ouvi e a que fui submetida (ou me submeti?), eu saí na boa. Eu saí sorrindo. Eu saí agradecendo o aprendizado. E nada disso foi hipócrita da minha parte. Porque eu realmente fiquei feliz de sair e realmente agradeci o aprendizado – inclusive e principalmente o aprendizado proporcionado por esses quase dois anos de abuso e assédio moral que sofri. 

Não, ninguém gritou comigo. (Se alguém gritava era eu, com essa mania de me posicionar diante de injustiças.) Foi tudo muito gentil, muito civilizado. Foi tudo comme il faut. Mas foi um processo que fez com que eu me sentisse menos tudo. Menos inteligente, menos capaz, menos gentil, menos humana, menos sã. Eu voltei para a terapia. Eu tive crises de pânico. Eu achei que tinha feito tudo errado desde sempre ao defender o que eu acreditava. Eu cheguei, vejam só, a acreditar que queria uma carreira corporativa. Logo eu, de todas as pessoas...

Eu devia ter saído quando recebi um feedback que me doeu como uma punhalada:

"Um dos problemas, Cássia, é que tu não aprendeu ainda que gestor não pode trabalhar para os subordinados ou para os colegas. Gestor tem que trabalhar para a direção da empresa."

Na mesma reunião de feedback, fui criticada porque as pessoas da equipe a que eu pertencia viam a mim como líder, e não ao gestor que era o líder de direito. "Tu precisas transferir esta liderança." Como se isso fosse possível.

Mas eu não saí. Eu me acovardei. E eu (quase) me convenci de que a errada era eu. Porque havia tanta coisa bacana sendo feita por tanta gente bacana. A empresa era mais do que aquela pessoa que me disse isso. E olha que estas foram apenas duas das muitas frases absurdas que eu ouvi nesse período e que eu me ressinto de não ter gravado. Porque foram frases que me parecem mais e mais inverossímeis a cada vez que eu me lembro de cada uma delas. Se não tivessem sito ditas para mim, juro que não acreditaria.

Então veio a Lina, e tudo foi perdendo a importância. Foi como se com o resultado positivo do exame de gravidez todas as coisas que eu ouvi e vivi entre junho de 2010 e agosto de 2011 simplesmente desaparecessem. Minha vida ganhou "novos desafios" reais, e eles me fizeram rever o que realmente era importante para mim. Nos sete meses que me dediquei a cuidar da minha filha, eu vi que não sentia falta de nada da firma. Nada. Nem do trabalho de que eu tanto gostei durante tanto tempo. E as pessoas? Ora, as importantes continuariam (como continuam) fazendo parte da minha vida. Então, me preparei para sair. E marquei uma data. Eu sairia no dia 1º de janeiro de 2013. Mas tive sorte. Me saíram antes. A firma também não sentiu a minha falta.

Por que escrevo este imenso post agora? Porque eu precisava disso. A leveza que estou sentindo ao começar este parágrafo mostra que, mesmo que eu não estivesse pensando nisso tudo desde que soube da gravidez, estava tudo arquivado em alguma gaveta mental, que esta matéria sobre a Livraria Cultura que li na fila do Banrisul abriu. 

Sempre achei e continuo achando feio sair de um emprego batendo a porta. Mas não acho que seja isto que eu estou fazendo. Não é a porta da RBS que eu estou fechando, é a porta para esta face da RBS que eu conheci entre junho de 2010 e agosto de 2011 que eu não quero nunca mais abrir. Não enquanto a empresa tratar jornalista como profissional de segunda linha e defender (sim, eu também ouvi isso) que o negócio para a empresa sobreviver é "focar na comunicação e não mais no jornalismo", o que quer que isso queira dizer. 

Tem gente que fala em processo trabalhista por assédio moral. Não é o caso. Eu me sinto um pouco como aquela mulher que apanha do marido e se cala porque acha que merece apanhar. Sabe Deus por que, entre junho de 2010 e agosto de 2011 eu achava que merecia estar ouvindo o que ouvi, estar tendo de fazer o que estava sendo orientada a fazer. Eu me violentei muitas vezes, mas tudo passou. Quem sabe um dia não transformo tudo num livro, num roteiro, ou, sei lá, em mais posts de blog. Pelo menos vai ser divertido de escrever e, espero, de ler.

Eu não tenho mágoas. Juro. Acho ótimo que exista gente que consegue ser feliz com o tipo de vida que eu não consigo querer para mim. Acho normal que haja quem se sinta confortável fazendo o que eu abomino fazer. Faz parte do jogo. Não sei quem está certo ou errado. Só sei que eu e a RBS que eu deixei somos erradas uma para a outra. 

Luz e paz! :-)