O dia se espatifa: dezembro 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Novos significados

Quando era adolescente,  não gostava de vestir de novo uma roupa que houvesse vestido numa ocasião desagradável – normalmente relacionada a algum namorico mal resolvido. Era como se alguma energia ruim tomasse conta daquela inocente peça de tecido e então a tornasse amaldiçoada, fadada a sempre atrair situações indesejadas. Eu devia ter uns 16 anos quando a minha mãe, essa sábia senhora que percebeu que eu abandonava roupas de que gostava tanto, me disse que não era assim que as coisas funcionavam. Que se algum dia uma peça de roupa tivesse me acompanhado num momento de azar, eu deveria vesti-la novamente justamente para reenergizá-la com algo melhor.  Desde então, nunca mais tive esse tipo de superstição. Até porque depois que eu mesma comecei a pagar pelas minhas peças de vestuário, deixar de usar alguma coisa por conta de uma bobagem dessas virou algo evidentemente indefensável.

Dia 20 de dezembro era um dia assim. Desde 20 de dezembro de 1995, quando soubemos que meu pai estava com um câncer de estômago avançadíssimo e sem qualquer esperança de cura, a data tomou contornos sombrios na minha história de vida. Nos últimos 15 dias 19 de dezembro, sentia, ao dormir, um aperto no estômago, fazendo com que eu voltasse a sentir um pouco daquela sensação de desamparo absoluto.

Hoje, porém, esse significado foi sobrepujado por outro. Em vez de desamparo, esperança. No lugar das lágrimas incontidas de tristeza, lágrimas silenciosas da mais pura alegria. Descobri que meu pai vai ter uma netinha. O bebê que está dentro da minha barriga é uma menina, e a descoberta disso justamente nesse dia veio, principalmente, para comprovar a tese da minha mãe: nada como expor um dia velho a novas energias para mudar o nosso olhar sobre ele.

Que venham todos os outros dias 20 de dezembro da minha vida.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Das alegrias – uma lista (Parte 1)

Muita gente diz que não se sabe o que é felicidade ou amor antes de se ter um filho. Sempre achei a observação meio deprimente, principalmente porque conheço muita gente feliz e cheia de amor que não teve filhos (porque não quis ou não conseguiu ter) e muita gente infeliz e solitária apesar (ou até por causa) dos filhos.

O bebê que estou esperando é motivo de uma das maiores alegrias da minha vida. Foi desejado, esperado, planejado e sonhado. Porém, principalmente porque não quero que o peso da minha felicidade (e da felicidade da minha família) fique sobre ombros tão pequenininhos que ainda estão em formação, decidi começar uma lista (que certamente não se encerrará neste post) para dividir comigo mesma, com meus poucos – e valorosos – leitores  e também com esta criança já tão querida, parte das tantas alegrias que acumulei nos 37 anos de vida sobre este planeta, antes mesmo da chegada dela.

Tenho certeza de que a lista seguirá crescendo – e certamente ganhará novos focos depois da maternidade. O que vem abaixo não está organizado nem por ordem de importância, nem por relevância. Vão desde imensas até minúsculas alegrias. Creio que posso chamá-la também de "grande lista de pequenas conquistas". Parte 1, claro.

  • Sou amiga do meu marido, da minha mãe e da minha irmã

  • Fui uma grande amiga do meu pai

  • Minha letra cursiva é muito bonita quando escrevo com calma

  • Assisti a mais filmes durante a infância e a adolescência do que muita gente que conheço

  • Minha mãe me ensinou a ler aos 3 anos com o Pé de Pilão de Mario Quintana

  • Sei a letra completa de todas as minhas músicas preferidas dos Beatles e do Chico Buarque

  • Aprendi inglês tirando de ouvido as letras das canções dos Beatles e vendo a filmes na TV com a legenda tapada por um papel com fita durex

  • Quando vou ao Rio de Janeiro, não me sinto culpada por não ir a nenhum ponto turístico

  • Ainda mantenho grandes e queridas amigas que ganhei na infância, na adolescência, na faculdade e na vida adulta

  • Traduzi três livros do Kurt Vonnegut

  • Entrevistei o Brizola antes dele ficar gagá

  • Entrevistei o Lula mais de uma vez (antes de ele ser presidente)

  • Posso dizer que sou amiga de jornalistas do peso do Sérgio Augusto, da Maria Lúcia Rangel e da Ana Maria Bahiana – e continuo sendo fã deles

  • Aprendi a fazer panquecas iguais às da minha mãe!

  • Quando fui a Paris, consegui me comunicar bem em francês

  • Um dia uma americana me perguntou de que parte dos EUA eu era porque não estava reconhecendo meu sotaque

  • Em 2007, passei numa seleção para uma vaga no YouTube/Google. Não aceitei porque não queria morar em São Paulo (a vaga para a qual comecei a seleção não seria em São Paulo)

  • Em 2003, tive coragem de admitir a mim mesma que não havia nascido para morar em São Paulo e que isso não era motivo de vergonha

  • Tenho prazer de conviver com meus colegas de trabalho e de fazer o que preciso fazer

  • Quando saio de férias, consigo me desligar do trabalho

  • Saber que sou substituível não me atormenta, mas, pelo contrário, me estimula a querer ser desejável

  • Aprendi que injustiças nos ajudam a crescer e melhorar

  • Consigo tocar nos pés com as pernas esticadas

  • Digito muito, muito rapidamente

  • Não consigo dormir sem ler ao menos uma página de um livro

  • Muita gente que indiquei a vagas de empregos se deram muito bem com as minhas indicações

  • Tive chefes ótimos, razoáveis, medíocres e abaixo da média. Aprendi com todos

  • Tenho ex-chefes que me tratam com carinho até hoje

  • Sou ex-chefe de pessoas especiais que me tratam com carinho até hoje

  • Acompanhei minha mãe no processo da cura de um câncer

  • Tive o prazer de estar à mesma mesa de pessoas como Carlos Lyra, Luis Fernando Verissimo e Fernando Morais. Eles certamente não sabem quem eu sou, mas e daí?

  • No colégio, era quase sempre uma das primeiras a ser escolhidas para os times das aulas de Educação Física

  • Um dia me disseram que quando criança eu devia ser igual à Mafalda

  • O poder alheio não me intimida

  • Uma eventual incapacidade minha de lidar com meu próprio poder – por menor que seja – me apavora

  • Plantei pelo menos uma árvore no meu jardim

  • Ainda não escrevi um livro, mas traduzi mais de 30

  • Já faz mais de 5 anos que eu mesma asso o peru do Natal da família

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O jovem avô que vou ter de ensinar ao meu bebê

Uma das pessoas que mais admirei na infância – e mais senti não ter conhecido – foi o meu avô materno, o "vô Fritz". Sempre olhei com uma certa inveja para os primos que tiveram o privilégio da sua convivência. Foi por meio deles - e dos meus pais, principalmente - que fiquei sabendo um tantão de alguém que foi tão marcante para quem o conheceu.

Infelizmente, vai ser assim também que o/a meu/minha filho/a vai conhecer o homem mais importante da minha vida até eu conhecer o Márcio. Seu Jurandir Antonio Zanon ficou pouco tempo conosco (48 anos no total, 22 como meu pai), mas deixou um legado que me acompanha até hoje.

Meu pai foi um homem interessado pelo mundo, por história, pelo comportamento humano. Foi o meu Google particular durante muito tempo. Foi quem me ensinou a ler, a gostar de cinema, a questionar o porquê de tudo, a buscar meu espaço sem invadir o espaço dos outros.

Sempre bem humorado, com um senso de humor ao mesmo tempo sofisticado e palhaço, deixou como maiores ensinamentos que não é preciso ser sisudo para ser sério e que a sinceridade e a honestidade são o melhor caminho para conseguirmos o que queremos. Mesmo que esse caminho por vezes acabe se mostrando mais longo.

Hoje, no dia em que ele completaria 64 anos - e que eu completo 19 semanas de gravidez -, minha tia Rita , a irmã caçula que ele via como uma espécie de filha mais velha, fez uma homenagem a ele no Facebook, postando uma música de que ele gostava muito. E cuja letra, percebi hoje, diz muito sobre o homem que ele foi.

Saudade, pai. Que pena que não estejas aqui neste momento tão feliz das nossas vidas.