O dia se espatifa: Enfim, meu "relato de parto"

domingo, 22 de dezembro de 2013

Enfim, meu "relato de parto"

Desde a gravidez, li a respeito e ouvi falar do "plano de parto" e do "relato de parto". Plano de parto eu nem pensei em fazer. Tendo levado tanto tempo para engravidar, achava um despautério imaginar que poderia planejar um parto. A única coisa que fiz foi encontrar uma obstetra que me disse que, sim, faria parto normal mesmo eu estando acima do peso, com 38 anos e tendo uma gravidez tão desejada. Sim, porque os três motivos foram suficientes para que três cesaris..., ops, ginecologistas, que com quem me consultei antes da querida Dra. Rosi Balbinotto declarassem peremptoriamente que com "essas condições" eu dificilmente conseguiria parir.

Abre parênteses. Eu havia ouvido falar en passant sobre "humanização de parto" e "partos domiciliares" e "doulas" e, não, eu não precisava de nada disso. Só que tenho medo-pânico de qualquer cirurgia, e a ideia de abrirem a minha barriga comigo acordada, com meu marido do lado, cortarem sabe-se lá quantas camadas de tecido pra chegarem à minha filha (e se cortassem ela????) me apavorava. Então, quando me dizem que eu fui "corajosa" por ter querido (e conseguido) parto normal (ainda que com analgesia), eu rio internamente e lembro que foi tudo por medo mesmo. Fecha parênteses.

Já o relato de parto eu comecei a querer fazer depois de entrar para o maravilhoso mundo da "maternagem" e todos os seus jargões e todas as suas panelas e personagens. Tem as que defendem amamentação ad eternum, e as que defendem mamadeira desde a maternidade. As que fazem enxoval TODO em Miami e as que usam fraldas de pano e só roupas doadas. Tem as que acham que a forma como a criança nasce define um monte de coisas na vida dela (e da mãe dela) e as que dizem que "sentir dor é para índia", explicando por que marcaram a cesárea para a 38ª semana de gravidez. Enfim, foi "convivendo" virtualmente com as que pensam e militam em torno da forma do nascimento que descobri a figura do relato do parto.

Desde que a Lina nasceu, li vários relatos de partos, muitos deles extremamente emocionantes, de mulheres que lutaram muito e conseguiram (ou não) parir o filho. Desde que me dei conta da existência desse mundo e dessa linguagem (descobri, por exemplo, que a cesárea não é considerada parto, mas cirurgia, e que TP significa "trabalho de parto"), venho ensaiando meu relato de parto. Nunca escrevi o meu, formalmente. Daí ontem, quando uma colega/amiga comentou sobre a ansiedade que está tomando conta dela em suas últimas semanas de gravidez, lembrei disso. E lembrei que escrevi, sim, uma espécie de relato de parto. Fui atrás e encontrei o texto que reproduzo abaixo e que foi feito do dia em que a Lina completou seis meses.

LINDA DE VERDADE
Há exatos seis meses, mais ou menos neste horário, eu estava sentada na frente deste mesmo computador escrevendo um e-mail para convidar o pessoal do trabalho para um almoço de despedida. Era quarta-feira, e sexta seria meu último dia de trabalho antes da licença-maternidade. Resolvi sair duas semanas antes da data prevista para o parto para acertar detalhes. Tinha que preparar as lembrancinhas e rearrumar as malas da maternidade - a minha e a da Lina.
No dia anterior, tinha ido à médica, que me tranquilizou. Eu estava com um centímetro de dilatação, a Lina estava posicionada, mas não encaixada. Estava pronta para nascer, mas aparentemente ainda ficaria umas duas semanas lá dentro, ganhando peso. De qualquer maneira, se eu tivesse alguma contração com dor, não precisava me assustar. Eu poderia ficar alguns dias sentindo contrações com dor.
Perto da meia-noite, enviei o e-mail com o convite para o almoço de quinta-feira e dei uma última olhada no Facebook e na caixa de e-mail. Na noite da quinta, comeríamos uma paella feita pelo Mário de SantiSanti, na casa dele e da Dilza de Santi. Perspectiva gastronômica mais do que animadora. Levantei da cadeira e... Opa! 
- Olha, Márcio, a minha primeira contração com dor!
Márcio de olhos arregalados:
- Tá, e o que isso quer dizer?
- Que tá chegando perto da Lina nascer.
Olhos mais arregalados:
- Mas já???
- Não, essas dores podem durar mais umas duas semanas.
Olhei o relógio. Era 0h05. Fui tomar uma ducha antes de dormir, porque apesar de ser 12 de abril, fazia calor. Entrei no box e comecei a rir.
- Márcio, olha isto aqui.
Olhos voltando a arregalar:
- O quê? Tu fez xixi?
- Acho que estourou a bolsa.
Liguei para a médica, que mandou ir para o Moinhos de Vento, entrei no banho, comecei a sentir mais contrações, saí do banho sentindo contrações, botei o primeiro vestido que apareceu na frente (o mesmo que tinha usado no chá de fralda), calcei o par de havaianas que ganhei do amigo secreto de natal da firma (que não combinava com o vestido), penteei os cabelos molhados, sentindo contrações, apressei o Márcio, dei tchau pro Bubi e a Farofa (perplexos) e entrei no carro. 
- Não vamos levar as malas?
- Não precisa. Parto demora. Amanhã a mãe leva para a gente.
(Não quis explicar que tinha tirado tudo de dentro das malas para arrumar melhor naquele fim de semana.)
Fizemos o trajeto Zona Sul > Moinhos num quase silêncio nervoso, emocionado, tenso, alegre. Com a falta de movimento, levamos 18 minutos, com as contrações ficando cada vez mais próximas e cada vez mais intensas. (Esse negócio não tinha de ser mais lento, não?) Passamos pela rua do Mário e da Dilza e eu me dou conta:
- Acho que não vamos comer paella amanhã...
Era 1h10 quando chegamos à recepção da maternidade. Às 3h26, a Lina nasceu. O Márcio esqueceu que não queria ver parto nem de trás de uma cortina e acompanhou do meu lado todo o parto normal. Com a nossa menina no meu colo, os dois gritamos:
- Ela é linda! É linda de verdade! 
(Sempre dizíamos que a acharíamos linda mesmo que fosse feiinha, mas ela tinha nascido linda. Linda de verdade.) 
Na sala de recuperação, com a Lina adormecida no colo do Márcio envolta em cueiros do hospital (a mala não tinha ido, lembra?), atendemos à ligação da pobre da minha mãe e da Carolina que tinham se abalado do Moinhos ao Jardim Isabel para pegar as malas (que precisavam ser refeitas, lembra?). 
***
Há exatos seis meses, nossa vida mudou completamente. A Lina estreou na nossa vida, e a cada instante fica mais linda, mais querida, mais importante. A cada instante, comemoramos mais um instante de vida e de alegria e de aprendizado. Se datas redondas - ou quase, como esta - servem para fazermos balanços, uso a de hoje para reafirmar a certeza de que toda a nossa espera (foram oito anos) valeu a pena. Eu poderia escrever um texto deste tamanho sobre cada dia, mas os sorrisos que ela dá e os que provoca na gente são muito mais eloquentes.
Felizes seis meses de vida, minha Lina. Obrigada por estar aqui. A mamãe te ama mais do que absolutamente tudo nesta vida. 
Porto Alegre, 12 de outubro de 2012. 

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