Ricardo Freire
É verdade e dou fé. Aconteceu durante a primeira visita de João Paulo II ao Brasil, em 1980. Porto Alegre tinha sido escolhida para ser uma das escalas da viagem do papa, e estava embandeirada à sua espera. Eu sou gaúcho e morava lá.
É preciso dizer que, naquele tempo, Porto Alegre ainda não era essa sede do Fórum Social Mundial toda. Ainda não tinha se tornado Porto Alegre la Rouge, a anti-Davos globalizada, a segunda casa de José Bové e Hugo Chávez, o palco do Woodstock socialista de todos os janeiros. Nada disso. Eram tempos modorrentos, aqueles. A última celebridade mundial a passar pela cidade tinha sido... tinha sido quem, mesmo? Ah, sim: Rick Wakeman, alguns anos antes.
Emocionados com uma visita de tamanha importância, acudimos às janelas e descemos à rua armados de bandeirinhas amarelas. Canais locais transmitiram ao vivo todo o périplo do papamóvel. Depois de uma eternidade, João Paulo II chegou à Catedral. Foi direto até a sacada, para falar à multidão que se acotovelava na Praça da Matriz. Naquele momento, porém, aconteceu algo totalmente fora do script. O povo resolveu inventar um grito de guerra para saudar o papa.
Aqui entre nós: não era necessário. A visita do papa já tinha sua canção oficial, "À bênção, João de Deus" um jingle poderosíssimo, algo assim como o pipoca-com-guaraná do seu tempo. Se não quisesse se limitar a cantar a música do papa, o povo poderia, sei lá, gritar o seu nome - "João Pau-lô! João Pau-lô!", à maneira da torcida do Internacional,ou "João Paaaaauuuulôôôôôôôôô", no ritmo da torcida do Grêmio. Ou ainda, quem sabe, lançar mão de algum refrão já existente. Por exemplo: "Ooolêêêê ooolááááá, o Santo Padre tá botando pra quebrar".
Mas não. Nesse momento a criatividade da brava gente do Sul falou mais alto. E um novo bordão entrou para a história, e para o folclore, do Rio Grande:
- UCHO! UCHO! UCHO! O PAPA É GAÚCHO!
É isso mesmo que você ouviu. Ucho-ucho-ucho. O papa é gaúcho. Por favor: não ria. Saiba que, abaixo da fronteira de Santa Catarina, pouquíssima gente percebe o humor encerrado nessa frase. Talvez fôssemos os primeiros a rir se o fato tivesse acontecido em outro lugar. "Oca! Oca! Oca! O papa é carioca!". Ou: "Aba! Aba! Aba! O papa é capixaba!". Ou ainda, em Florianópolis: "Inho! Inho! Inho! O papa é manezinho!".
Infelizmente, ninguém nos imitou. Ficamos donos do ucho-ucho-ucho para sempre.
Até a semana passada, esse episódio parecia fadado a ser apenas um momento inesquecível do moderno folclore gaúcho. Mas então a imprensa começou a divulgar a lista dos papabili. E um dos mais cotados, como você sabe, é o cardeal de São Paulo, Cláudio Hummes. Que nasceu em... Montenegro, no Rio Grande do Sul.
De repente, tudo mudou. Aquele bordão esquisito inventado pela multidão da Praça da Matriz poderia ser mais do que um bordão esquisito - poderia ser uma profecia coletiva, ricamente documentada.
É difícil que a profecia se realize. Estatisticamente é quase impossível que, num determinado período da História, a Gisele da vez, o Ronaldinho Gaúcho da vez e o papa venham do mesmo canto do planeta.
Liguei para uma amiga jornalista no Sul, e ela me contou que, nas redações, a expectativa é grande. E com razão. Se dom Cláudio for eleito papa, os jornais do Rio Grande vão poder sair com a manchete mais sensacional de todos os tempos em língua portuguesa:
UCHO!
UCHO!
UCHO!
Estou torcendo.
domingo, 10 de abril de 2005
A profecia de Porto Alegre
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