O dia se espatifa: Ê

sexta-feira, 9 de março de 2007

Ê

Toda vez que sai crítica de livro que traduzi, fico superfeliz ao não ver nenhum comentário do tipo "apesar da tradução". Foi o caso desta aqui (só para assinantes UOL ou Folha), do Michel Laub, na Folha de S. Paulo, sobre o Queria que Você Estivesse Aqui, do Stewart O'Nan, que traduzi para a Record.

O'Nan utiliza velho realismo psicológico e tem bom resultado
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é muito difícil perceber quando um romance foi concebido para virar best-seller.
Há elementos que servem como pista: a prosa excessivamente transparente, pequenos "ganchos" para manter o interesse no próximo capítulo, o didatismo que dá um caráter utilitário à leitura (como funciona um tribunal, um aeroporto, o mercado de ações), uma estrutura adaptável para o cinema (narrativa cena a cena, descrições detalhadas, profusão de diálogos).
E, no entanto, nem todos os livros escritos assim prescindem de uma expressão individual, uma visão de mundo que faz mais do que confirmar as certezas prévias do leitor. Exemplo é o recém-lançado "Queria que Você Estivesse Aqui", de Stewart O'Nan.
De certa maneira, o triunfo deste ex-engenheiro nascido em 1961, em Pittsburgh, Estados Unidos, é justamente a coragem de tentar unir conceitos em geral situados em campos opostos: arte e entretenimento, verdade e inteligibilidade, como se a única maneira de refletir o caos do mundo contemporâneo fosse uma narrativa também caótica, numa espécie de incômodo estrutural que o leitor purga com abnegação e amor à causa.

Realismo psicológico
O'Nan faz o contrário: opta pelo velho realismo psicológico, com suas ironias e sutilezas, para descrever a última temporada de férias de uma família à beira do lago Chautauqua.
Ali estão reunidos a viúva matriarca, sua cunhada, seus filhos e netos. Ao longo de uma semana, eles vivem experiências banais em ambientes que ressoam um certo imaginário do cinema americano: aquelas pequenas cidades, aqueles pequenos chalés, aquela nostalgia do "trio de bóias de barco sob a forma de sereia", das "cervejas ilegais enquanto os pais recebiam os Lerners e os Wisemans na varanda".
Só que, mais uma vez, a habilidade do autor em traçar perfis por meio de um simples gesto, às vezes por uma palavra não dita, empurra a narrativa para o terreno do inesperado. É quando os segredos começam a vir à tona: um divórcio cheio de ressentimentos, um adolescente problemático, a competição entre duas mulheres, uma paixão proibida. Novamente falando de tradições subvertidas, é como se O'Nan armasse sua história sob a forma clássica dos grandes dramas familiares americanos.
Basta pensar no teatro de Eugene O'Neill e Edward Albee, por exemplo.
Só que, à diferença desses autores, que conduzem os conflitos rumo a um clímax rumoroso, expondo as entranhas das relações entre pais, filhos e irmãos como metáforas de uma sociedade doente, "Queria que Você Estivesse Aqui" se encerra como um suspiro. Uma discreta e melancólica nota final, crítica em relação ao seu objeto, sem dúvida, mas com a ternura suficiente para entendê-lo em suas falhas e contradições. Talvez não seja o que o "establishment" literário deseja ouvir, mas é inegavelmente uma voz a se considerar.

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MICHEL LAUB é autor de "O Segundo Tempo" e "Longe da Água" (ambos lançados pela Companhia das Letras)

QUERIA QUE VOCÊ ESTIVESSE AQUI
Autor: Stewart O'Nan
Tradução: Cássia Zanon
Editora: Record
Quanto: R$ 54,90 (560 págs.)

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