Do medo de trair Kurt Vonnegut
CÁSSIA ZANON *
Os livros de Kurt Vonnegut Jr - escritor americano que morreu na última quarta, em Nova York - têm ilustrações e linguagem coloquial. A narrativa, muitas vezes circular, traz expressões que se repetem ao longo da história. O vocabulário, simples, não exige um conhecimento muito avançado da língua inglesa para ser compreendido no original. Nada a temer ao ser incumbida de sua tradução, certo? Em termos.
Assim que comentei com amigos sobre a tarefa, comecei a sentir o tipo de cobrança que viria. Gente muito boa saudava a reedição de dois títulos que estavam esgotados havia muito. Eram leitores que se gabavam de ter uma edição de Cama de Gato ou Almoço dos Campeões ou Matadouro 5, ainda que aos pedaços. O cumprimento pelo que consideravam uma honraria vinha quase que invariavelmente seguido por uma advertência: "Vê lá, hein? Cuidado com essa tradução".
Em respeito a essa idolatria que, em 2004, por desconhecer a obra, custava a compreender, resolvi fazer um reconhecimento do terreno e ler os títulos que tinha à mão na ocasião - Timequake e Pastelão - e percorrer os incontáveis sites sobre sua obra. O objetivo era tentar entender o porquê de, mais do que leitores, o homem ter seguidores. Resultado: quando finalmente abri Slaughterhouse 5 para começar a transformá-lo em Matadouro 5, eu mesma havia me transformado numa admiradora.
Para se ter uma idéia do significado de Vonnegut para os fãs, no dia seguinte à morte do escritor, o site Technorati (www.technorati.com), que acompanha a movimentação em sites do mundo todo, mostrava que "kurt vonnegut" havia sido a terceira expressão mais pesquisada do dia. Além disso, até o começo da manhã de ontem, um novo post de blog vinha sendo publicado a cada instante em algum ponto do planeta lamentando a perda. Aos 84 anos, na avaliação dos admiradores, ele foi embora cedo demais. No site do The New York Times, o obituário de Vonnegut aparecia como a notícia mais lida do dia.
Foi provavelmente por ter adquirido essa noção, aliás, que não estranhei quando, na comunidade "Kurt Vonnegut (Brasil)" do Orkut, levei um puxão de orelha de um dos membros por causa da frase final de Matadouro 5: "Pode parecer uma bobagem, mas por que você traduziu a onomatopéia para 'piu-piu-piu'? (Isto é sério, pois acho a anterior, piu-lu-tui..., mais interessante...)" - ele se referia à primeira tradução. Bobagem alguma.
Sem exagero, a escolha da melhor tradução para o original "poo-tee-weet" me tirou horas de sono. Então, expliquei ter optado pela simplicidade do piu-piu-piu numa tentativa de me manter fiel à singeleza do original. Devo admitir que, ao saber da morte de Vonnegut, repassei essa e várias outras escolhas que fiz. E torci muito que ele não tenha tido motivos para se sentir traído.
* Jornalista. Traduziu os livros Matadouro 5 e Café-da-Manhã dos Campeões para a editora L&PM
sábado, 14 de abril de 2007
De volta ao papel
Hoje é um texto meu que cito aqui. Saiu na central do Segundo Caderno da Zero Hora de hoje. Coincidentemente, ao lado de um texto do Márcio.
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tu escreve bem demais, cássia. quando crescer quero ser que nem tu.
ResponderExcluirbeijos
Traduzir do inglês não deve ser fácil. Muita onomatopéia, muita gíria... uff..
ResponderExcluirAi, e a página ficou tão tri!!! Acho que precisa ser emoldurada, para decorar e inspirar o escritório :)
ResponderExcluirme empresta tudo o que tu tem dele? e pode ser no original? juro que devolvo, so nao sei quando...
ResponderExcluirPra mim "poo-tee-weet" soa como "bem-te-vi"....
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